DIALETO E EXPRESSÕES CAIÇARAS
No início da década de 1980, iniciei meu trabalho pedagógico na Escola de Praia Negra, comunidade costeira ao sul de Paraty, onde encontrei um mundo paralelo de valores, tradições, saberes e fazeres. Percebendo que esse mundo não era tão distante que vivenciei na minha infância nos anos de 1960 no Centro Histórico de Paraty, iniciei um trabalho acadêmico onde tentava registrar seu modo de vida. Esse registro entrou para um pequeno caderno de observações sobre Paraty, lançado pela Casa de Cultura, e ficou esquecido por um bom tempo. Depois de mais de 30 anos regressei a mesma comunidade para, quem sabe terminar meu ciclo pedagógico, e retornei a mesma pesquisa com meus alunos do Azul Marinho. O dado importante nessa nova observação é que os jovens quase não se veem nesse “mundo paralelo”, a dinâmica da nossa língua e a desvalorização da cultura caiçara vem agindo com força brutal no desaparecimento desses verbetes e poucos deles fazem parte de seu linguajar. Com um olhar mais atento e recorrendo a outras formas de pesquisa podemos ainda registrar “novos” verbetes e incorporá-los ao trabalho que apresentamos.
Acero – limpeza na coivara para não alastrar fogo na mata
Ajuntório – Mutirão
Aloito – Criança fazendo bagunça
Andeja – Pessoa que gosta de andar, bater perna
Anhanga, anhangá – Diabo, saci, satanás
Apixar – Jogar algo no lixo ou em alguém
Arapuca – Armadilha feita com madeira trançada
Arataca – Armadilha para caçar
Aratucum – O mesmo que urucu
Árvore do dia – Os primeiros raios da manhã
Azul Marinho – Peixe ensopado com banana verdolenga (sopa de peixe)
Batuíra – Tatui
Bisitar o cerco – Colher o peixe da rede
Cagador – Banheiro no mato
Camarada – Tripulantes do cerco
Caieu – pequena pedra pequena para bodocar, pedra ilhada, pedra boiada
Caraveia – local onde a corda do bodoque se encaixa
Cerco – Armadilha na costeira para aprisionar peixes
Ceva – atrativo para pesca ou caça
Cisqueiro – local onde se deposita o lixo
Corre costa – Epidemia, doença
Craquinchenta – Pedra áspera, que é lisa
Crocó – Molusco bom para a alimentação
Crocó bicho – Molusco venenoso
Cuí – Farinha que sobra, pó ou poeira que sobra da farinha
Cutielo – coisa pequena, curta
Balaio de preparo – Cesto com os apetrechos de pesca
Bodoque – Instrumento para caçar, arco de madeira (pequeá), com dois fios e uma redinha no centro onde se coloca a pedra
Barrear a casa – Ação de colocar a massa de barro no pau a pique
Baticum – Dor de cabeça
Biguidi – Beija flor
Boitatá ou beatatá – Alusão ao saci o que pertuba as noites escuras
Bongá – Tirar a raiz da mandioca
Breá – sujar
Buceta – Buzio
Buia – bulha, barulho, confusão
Buzano – Pequeno animal que corrói as madeiras das embarcações
Café burro – café amargo
Café entre ume – Café sem mistura
Caxanga – Casa velha
Consertar – Limpar o peixe
Coivara – Roça após a derrubada da mata pronta para ser queimada ou após ser queimada
Copiada de dentro – Amarrado de bambu que faz a vez da boia na rede do cerco próximo ao caminho do cerco
Copiada de fora – Amarrado de bambu que faz a vez da boia do lado de fora da rede do cerco
Cragoatá – Bromélia
Criera – Sobra da mandioca cevada que é dado as criações
Daça de barriga – dor de barriga
Digero – Rápido
Enturração – Prisão de ventre ou birra
Envaro – varas na vertical para amarrar o pau a pique
Escalar o peixe – Limpar e salgar o peixe
Espinhel – Corda com vários anzóis para pesca de cação
Fazamoducaduhome – Para explicar ou comparar alguma coisa
Fugido – Condenados foragidos que percorrem a mata e assustam as comunidades
Feiticeira – Rede de fundo para pesca de corvina
Foge – Corrente das cachoeiras que leva as pessoas para o fundo
Fulu – Tomar susto com notícia ruim, medo de descobrir coisa errada
Galoá – Polvilho com café quente (o primeiro café)
Goroçá – Maria farinha, pequeno caranguejo da praia
Griteiro – Falatório, briga
Icia – Espiar, olhar
Igoga – Resma, gosma do peixe
Impaiado – pessoa que atrapalha, ex. Iscriança deixe o bodoque em casa pra não impaiá na roça.
Incustipado – Resfriado, gripado
Ingabelar – Enganar
Inticar – rerturbar, bulir
Inlinhar – Enrolar, embaraçar
Inquisilado – Nervoso
Inticar – Provocar
Isbandalhado – Destru?do
Iscriança – Meninos e meninas
Isparrela – armadilha para aprisionar aves feito de bambu com corda (laçada)
Jaiaca – pertubar, bulir
Jaíca – Tubérculos aguados
Jajigo – Amansar das ondas para sair com a canoa
Jundum – local onde o mar deixa seus dejetos
Lagamar – Local onde a onda quebra na praia
Lambedor – Xarope com ervas para a gripe
Limbuia – sapo boi
Mamanha – mamãe, mãe
Manha – Mãe
Manóio – Pequeno feche de sapê
Maranúncia – Magia negra
Menina assistida – Menina menstruada
Mijuada – Rede boiada para pesca na costeira
Mucado – Muito, bastante
Mundéu – Mesmo que arataca
Nó na barriga – Dor de barriga
Nique – dinheiro
Nuelo – Pelado, nu a pelo
Paiaíto – Dedo (raiz) da taioba
Panal – Avental, capa para proteção na pesca
Pau a pique – Varas finas que são amarradas no envaro
Paupicar – Amarrar as varas para ser barreada
Pedra boiada – Pequena laje que requer cuidado na navegação
Picuí – Pedaço pequeno que sobra do peixe ou carne, misturado com farinha
Picumã – Fuligem pendente dos tetos das cozinhas que tem fogão de lenha
Pixirica – Mesmo que tapicirica porém menor
Pixé – Farinha de milho torrado
Quiera – Sobra da mandioca que é dado as galinhas
Raça – Muito
Rede – Lençol amarrado em uma vara para levar o defunto
Rodete – Roda de madeira com chapa (ralo) para ralar a mandioca para fazer farinha
Ressoio – Mesmo que foge, só que no mar, rodamoinho
Romor – fatório, fofoca discussão
Rosca – Caramujo da costeira
Roupa velha – Mexido com sobra de comida
Sambucá – Limpar o marisco
Samburá – Cesto ovalado para carregar apetrechos de pesca
Saporem – Fungo que mata a raiz da mandioca
Saquité – Sacola para colocar caieu (pelota) e atiradeira
Sarcero – Mar encrespado, pipocado
Sopapo – Casa de pau a pique
Solina – Sol forte do verão
Sopa d’agua – Farinha com água com peixe assado usado nas puxadas de canoas, na roça, na caçada servida na folha de patioba (palmeira)
Sopa de peixe – Azul marinho
Sundunga – Sudoeste, vento que deixa o mar muito agitado impossibilitando a navegação
Surucar – Passar de um lugar para outro
Tadali – Insistir, convidar
Tapera – Casa de pau a pique
Tapicirica – Pedra lisa e grande (ita)
Tapina – Pedra que sai da mata ao encontro do mar (ita)
Terralão de baixo – Amansa o mar tanto na costeira quanto em alto mar
Terralão de cima – Vento frio quem vem da cachoeira na parte da manhã
Ticuruba – fogão de três pedras
Tiguera braba – Modo de dizer que uma pessoa é feia, boba, tola
Tirriça – Fazer birra
Tisguelo – Magro, comprido
Trancada – (de peixe) muito
Trepeiro – Local onde o caçador fica a espreita da caça
Tribujão – Vento com chuva, tempo feio
Uma canoada – medida usada para definir a quantidade de peixe que foi pescado.
Varal – Bambu usado para por peixe para secar
Vera da casa – Beiral
Verdolengo – Banana quase madura, boa para o Azul Marinho
Vejo – Do verbo vir
Vencerá – Limpar (consertar) o cação, tirar as vísceras
Visgo – Armadilha feita com a cica da jaca para aprisionar pássaros
Zangareio ou zangarelho – Tipo de anzol para pesca de lula
DIVERSAS DENOMINAÇÕES INDÍGENAS DA PALAVRA PARATY
PARATI – o lagamar, o golfo
PARA-TI – vocábulo pelo qual os índios designavam determinados peixes da família Mugilidae, da que fazem parte as conhecidas tainhas (Estudo da Língua Nacional, Artur Neiva – In Heitor Gurgel – Uma família Carioca do Século XVI – Livraria São José – RJ, 1964, p.51)
PARATI – Mugiloide semelhante a tainha (Mugil Trichodon, Mugil Cuminá Piroti, Mondengo, Querimana, Sajuba, Sauba, Sauna, Salé, Pratiqueira, Parati barbudo, Barbudo, Piracuába (Alberto Vasconlos – Vocabulário de Ictiologia e Pesca – Edição da liga Naval Brasileira – Delegação de Pernambuco- 1938 – Imprensa Comercial – Recife, PB – p. 95)
PARATIQUERA, PRATIQUERA ou PRATIQUIRA – Na foz do Amazonas e no Nordeste o nome da espécie menor de Mugil, o que no Sul do Brasil corresponde ao Parati Mugil Curema (Rodolfo Von Lhering – Dicionário dos Animais do Brasil – SP – p.651)
PARAITI – rio extinto
PARATY – Nome da pinga fabricada na cidade de Paraty – RJ (Francisco da Silveira Bueno e outros – Dicionário Escolar do Professor – Ministério da Educação e Cultura – Brasília – 1962 – p. 908)
Parati(RJ) – Mun., 27. 127 hab. Cidade histórica fundada em 1660. Monumento Nacional, com vários edifícios tombados (Mini Aurélio – Século XXI – Escolar – Editora Nova Fronteira – 5a Edição ampliada – 1a impressão – RJ, 2001 – Edição Especial para o FNDE/PNLD, 2004 – p.839)
Tainha – …da Bahia para o Norte dá-se o nome de Curimã à tainha do Sul e lá a denominação “tainha” designa os “paratis” do Sul ( Francisco da Silveira Bueno e outros – Dicion?rio Escolar do Professor – Ministério da Educação – Brasília – 1962 – p.732)
Curador: Patrícia Gibrail
Pesquisador: Benedito Cláudio de Aquino
Conteúdo: Cláudio Aquino
17 de Julho à 17 de Agosto
Sala Natalino Silva
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